Chamas
Havia passado duas semanas desde que
fui traído, o que custou a vida de bons soldados da ordem. Duas semanas e
aquele evento ainda consumia minha mente, pois eu possuía uma missão e não
havia nenhuma espada ao lado para confiar minha retaguarda. Estava sozinho, com
uma espada magica e com o dever de livrar a terra do mal ou algo do gênero, uma
missão impossível sem sombra de duvida.
As vezes duvida das palavras de Val, as
vezes duvidava de minha missão e de nossa fé, me perguntava se éramos um bando
de loucos fanáticos ou uma ordem que seguia a uma entidade superior, guiando os
homens de uma forma estranha e inexplicável. Mas de uma coisa eu tinha certeza.
Aquela arma não era uma lamina comum.
- Mais alguma coisa senhor? – perguntou
uma linda moça com corpo jovem e curvas que seriam capazes de tentar ate mesmo
Val. Seu nome era Rebeca e ela trabalhava na pequena taverna onde estava fazia dois
dias.
- Uma cerveja seria bom.
A primeira coisa que fiz foi me livrar
das vestes de nossa ordem. Aquela batina branca, com o cordão negro na cintura
e a capa vermelha usada apenas por membros de alto escalão na ordem e que
representava a Luz de Dorum chamava muita atenção e não queria parecer um membro
da ordem. Val devia estar se revirando em seu tumulo pois era proibido que um
membro da ordem usasse qualquer coisa além dos nosso trajes, mas sinceramente
ele podia se revirar o quanto quisesse eu me sentia bem melhor com aquela
camiseta apertada de algodão, a calça de couro marrom com um bom sinto a onde
prendia a bainha de minha espada. As botas em especial eram um luxo.
- Parece que estão reunindo homens em
algum forte não muito longe daqui – falou um homem do tamanho de um urso que
estava sentado na mesa ao lado com seus dois colegas – Parece que o exercito
quer juntar homens para mandar a fronteira, dizem que os ataques bárbaros estão
aumentando ultimamente.
- Aqueles malditos deviam ficar em
suas terras onde é melhor para eles, será que eles não cansam de tentar invadir
nosso reino e serem repelidos? – falou um dos seus colegas, um rapaz jovem e
que devia fazer muito sucesso com as mulheres.
- Você fala isso porque ta com sua
bunda quente em uma cadeira tomando uma boa cerveja, queria ver falar isso na
cara de um deles. Aqueles malditos são o cão quando estão lutando – o terceiro
era baixo e feio, com cara parecida com
a de uma mula.
Bárbaros. Aquela foi uma palavra que
passei a ouvir cada vez enquanto estava fugindo de meus irmãos e buscando algum
sentido para tudo o que precisava fazer. Já ouvi falar deles na ordem, eram um
povo que ficava além das montanhas no vale dos mortos, guerreiros por natureza,
cuja cultura era completamente desconhecida por todos, afinal, ninguém voltava
com vida de suas terras e por isso mesmo ninguém mais ia ate lá.
Mas não eram as conversas exageradas e
o medo dos bárbaros que me intrigava, era o fato de que ultimamente toda vez que
eu olhava para uma chama, via um campo de batalha, via um homem forte cujo
rosto era incapaz de enxergar e ele usava um martelo como arma, algo que
considerava muito estranho. Há e havia bárbaros com ele, nunca entendi o que
estava acontecendo nas minhas visões e por isso olhei novamente para uma chama
que vinha da cozinha, na esperança de entender aquela mensagem.
Mas como sempre, eu só conseguia ver o
homem, seu martelo e os bárbaros, nada mais e nada menos. De súbito, a imagem
mudou e ele viu três de seus irmãos chegarem a cidade, espalhando o fato dele
ser procurado, a imagem se distorceu enquanto o cozinheiro mexia no fogão,
colando mais lenha. Quando a imagem se tornou clara novamente, ele se viu em
uma arruela lutando contra o homem urso e seus dois amigos.
Pelo jeito havia uma recompensa em minha
cabeça e sua viagem seria cada vez mais difícil.
- Sua cerveja senhor – Rebeca me tirou
do mundo dos pensamentos e me trouxe a realidade com aquela voz suave de uma
menina mulher.
Sorri de volta, agradeci por seu
trabalho e enquanto tomava minha cerveja fiquei observando os homens que teria
que matar. Se fosse possível eu tentaria evitar cruzar o seu caminho, evitaria
entrar em uma arruela, mas as visões nunca eram claras o suficiente e mesmo
tentando evita-las, era capaz de hora ou outra entrar no lugar errado.
Duas horas depois eu estava fora da taverna
caminhando pela cidade, tentando decifrar qual seria o lugar da visão, quando
meio que por acaso eu percebi dois dos três acólitos da ordem que estavam nas
chamas, eles passaram por mim rezando sem ter pensando por um único momento que
era eu quem eles procuravam. Sorri com aquilo pois, além de não estar trajando
as roupas de minha ordem, o que duvidava que eles fossem pensar, também eram
poucos que conheciam minha face, provavelmente eles deviam ter uma descrição
mas duas semanas eram capazes de deixar um homem da ordem diferente. Agora eu
estava com uma barba media e usava meu cabelo preso em um rabo de cavalo que
ainda crescia aos poucos. Eles deviam estar procurando alguém com rosto limpo e
cabelo aparado, como usava antes.
Se tivesse prestado um pouco mais de
atenção ao meu redor e não tivesse deixado que meu “disfarce” subisse a cabeça,
eu teria reparado que os três homens estavam me seguindo. Ainda distraído, um
garoto passou correndo por mim e pegou minha bolsa de moedas, sumindo por um
beco.
Sem pensar duas vezes eu o persegui,
dando de cara com uma arruela sem saída. O garoto estava encostado na parede,
com olhar confiante e quando me perguntei o porque daquilo, uma risada grossa
tomou conta do lugar.
Era o homem urso que estava com seus
dois colegas fechando arruela e com espada nas mãos.
- Passe o resto de seus pertences e
prometo te deixar partir com vida – e se estar naquela situação não fosse
ameaçador o suficiente, sua voz grossa tornava a fala ainda mais assustadora.
Mas aquilo pouco importava.
Desembainhei minha espada e finquei na
barriga do garoto que estava atrás de mim, não precisei olhar para trás para
desferir aquele golpe e muito menos para saber que ele estava gemendo enquanto
suas tripas caiam no chão.
- Filho da puta – gritou o homem com
cara de mula, que tomou a dianteira para me atacar. Desviei do golpe e coloquei
meu pé no seu caminho, fazendo quem ele fosse de cara na parede se arrebentando
e caindo morto no chão.
- Você perdeu dois amigos, acho que
seria mais prudente sair daqui antes que eu mate os dois.
O menor pareceu ponderar minhas
palavras e senti ele fraquejando, mas seu colega não se intimidou, confiante em
seu tamanho e sua força. Ele investiu em uma carga furiosa e desajeitada,
bastou um movimento, uma esquiva para cortar o tendão de sua perna esquerda e
faze-lo se dobrar sobre os joelhos, tornando muito mais simples abrir um rasgo
que vinha de seu abdômen ate sua testa.
Bastou um olhar após ver o grandão
tombar para que seu amigo sobrevivente saísse correndo o mais rápido que podia.
Me voltei para o garoto que choramingava baixinho enquanto os últimos sopros de
vida ainda corriam dentro dele.
- Foi mal garoto – falei dando de
ombros antes de separar sua cabeça do corpo e pegar meu dinheiro de volta, além
de revistar os bolsos dos três mortos onde encontrei mais algum dinheiro.
O fogo nunca mentia, eu havia lutado
contra eles como ele previu. Faltava apenas entender quem era aquele homem
empunhando um martelo e o que ele significava dentro do tabuleiro que o destino
preparava.
E naquela época eu mal sabia que todas
as peças haviam sido posicionadas e que o primeiro movimento já havia sido
feito.